EX-JUIZ
FEDERAL, O GOVERNADOR DO MARANHÃO CRITICA O JULGAMENTO E DIZ ACREDITAR QUE OS
TRIBUNAIS SUPERIORES NÃO PERMITIRÃO A PRISÃO DO PETISTA.
“O FATO DE
ELES TEREM CRAVADO UMA MESMA PUNIÇÃO AINDA MAIS DURA PARA O PETISTA PARECE
INDICAR QUE HOUVE ACERTO PRÉVIO PARA GARANTIR UMA UNANIMIDADE COM O OBJETIVO DE
IMPEDIR O RECURSO DE LULA”, DIZ FLÁVIO DINO
Três desembargadores, uma dosimetria da
pena. O julgamento de Lula em segunda instância não apenas confirmou a
condenação de Lula pelo juiz Sergio Moro pelos crimes de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, mas ampliou a pena do petista para 12 anos e 1 mês em
regime fechado. Embora fosse esperada a confirmação da sentença do juiz responsável
pela Lava Jato em Curitiba, impressionou a unanimidade dos desembargadores na
hora de aplicar uma punição mais dura ao ex-presidente.
Como não houve divergência, Lula fica
impedido de apresentar os chamados embargos infringentes, o que levaria o
processo a se arrastar por mais tempo na segunda instância e daria fôlego para
o ex-presidente disputar a eleição ou até mesmo protelar sua prisão. Os
desembargadores poderiam obter o mesmo resultado caso confirmassem a pena
imposta por Moro, de 9 anos e meio de prisão. O fato de eles terem cravado uma
mesma punição ainda mais dura para o petista parece indicar que houve acerto
prévio para garantir uma unanimidade com o objetivo de impedir o recurso de
Lula.
A análise é do ex-juiz federal Flávio
Dino, governador do Maranhão pelo PCdoB, ex-presidente da Associação Nacional
dos Juízes Federais (Ajufe) e ex-secretário-geral do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). Na entrevista a seguir,
Flávio Dino afirma não acreditar que os tribunais superiores permitirão
uma eventual prisão de Lula e critica o corporativismo dos desembargadores
durante o julgamento. “Os três julgadores estavam, aparentemente, mais
preocupados em garantir a autoridade, a respeitabilidade e a honra da Justiça
do que propriamente julgar o caso.”
CartaCapital:
A unanimidade no julgamento de Lula e a coincidência entre as penas impostas
pelos desembargadores o surpreendeu?
Flávio
Dino:
Foram realmente duas surpresas. Primeiro, sempre achei que jamais houve prova
de crime algum. Mas, na pior da hipóteses, eu imaginava que eles iriam retirar
a condenação por lavagem de dinheiro, porque é sui generis considerar que a
própria OAS, detentora do imóvel, é laranja dela mesma. É algo que no Direito
se chama leading case, é um caso único no direito mundial.
Qualquer pessoa com o mínimo de
experiência forense sabe que em um julgamento dessa natureza só há unanimidade
da dosimetria caso ela seja previamente combinada. Acho que houve acerto
prévio, pois é atípico esse nível de concordância, a não ser que antes haja um
ajuste. Claramente, houve um ajuste para evitar os embargos infringentes. O que
torna ainda mais frágil a punição de quem julgou, da turma do tribunal.
CC:
O senhor afirmou em sua rede social que o julgamento foi repleto de “defesas
corporativas”. Por quê?
FD: O julgamento foi aberto com um
discurso, com o relator dizendo que não haveria julgamento da vida pregressa de
Lula. Quando se soma a postura, a atitude, a entonação, a impostação, vemos que
na verdade havia um julgamento acima do próprio caso, que era o julgamento da
honra da Justiça Federal. Os três julgadores estavam, aparentemente, mais
preocupados em garantir a autoridade, a respeitabilidade e a honra da Justiça
do que propriamente julgar o caso. O caso em si foi julgado muito
precariamente, com base em inferências, em considerações diversas que cabem bem
em um discurso político, mas não em um acórdão.
Eles invocaram, por exemplo, o
julgamento do "mensalão". O que o "mensalão" tem a ver com
isso? Falaram do José Dirceu, o que ele tem a ver com os fatos em discussão?
Fizeram considerações sobre como se constrói maioria no Congresso Nacional. E
por aí vai. Ao contrário do que foi dito no início, foi um julgamento abstrato,
inquisitorial de um pecador, e não o julgamento de um acusado de acordo com o
processo penal contemporâneo com base em determinado crime e suas provas. É um
processo que começou mal, a condução na 1ª instância já foi muito ruim, desde
aquela célebre condução coercitiva de Lula, e que, infelizmente, o tribunal
resolveu dar continuidade a isso. Foi muito ruim, tanto na forma quanto no
conteúdo. Acho uma peça jurídica muito frágil.
CC:
O senhor acha que os tribunais superiores aceitarão esse acórdão?
FD: Acho que será revertido, mas não sei
em que momento. Provavelmente, nos próximos anos eles vão considerar que neste
caso não há prova de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro. O crime de
lavagem apontado é esdrúxulo. É o único caso de ocultação e dissimulação em que
a propriedade do bem continuou com o próprio detentor (OAS), que seria laranja
dele mesmo. É um negócio surrealista.
No caso da corrupção passiva, eles dizem
que não precisa de ato de ofício. OK, mas é necessário que você demonstre que a
suposta vantagem tem correlação com o exercício da função. No julgamento, o que
definiu essa correlação são considerações meramente genéricas, do tipo: ele
nomeou os diretores da Petrobras. É típico de quem não tem noção do que é
governar uma estrutura complexa. Imagina se um governador do Estado ou um
presidente vai ter ciência cotidiana e exata de todos os atos de gestão
praticados em todos os órgãos de governo.
Isso é inexigível até de um juiz em sua
vara. É impossível cobrar de um desembargador que ele conheça todos os atos de
seu gabinete, do ponto de vista jurídico. Imagina se é possível cobrar isso de
alguém que gerencia um país de mais de 200 milhões de habitantes. Não se pode
presumir, é preciso provar.
Voltamos àquele ponto da má
interpretação da Teoria do Domínio do Fato, que novamente surge nessa
construção, segundo o qual ela é igual à chamada responsabilidade penal
objetiva. Como se nomear desse a ele obrigação de saber de tudo.
CC:
Os desembargadores buscaram negar que estivessem utilizando a Teoria do Domínio
do Fato, Leandro Paulsen falou em "crimes específicos".
FD: Na verdade, eles julgaram com base
em uma condenação prévia. Julgaram com base em um desígnio. Eles tinham de
confirmar a sentença do Moro, porque se não confirmassem, a imagem da Justiça
Federal ficaria maculada. Esse foi o fundamento. O resto foi mero exercício
vazio de retórica. Você espreme esse julgamento e não encontra nada. Quem
estava em julgamento não era nem a Justiça nem o juiz Moro. Era um réu, acusado
de um determinado crime. Aquilo não fica bem. Foi um julgamento realmente
surpreendente, bem pior do que eu imaginava.
CC:
O senhor acredita que o juiz Moro decretará a prisão do Lula?
FD: A esta altura, diante da
continuidade de disparates jurídicos, a prudência recomenda que se considera
ser bem plausível que isso aconteça, que haja essa vontade. Não acredito que o
STJ e o Supremo permitam isso. Mas que a vontade de prender está clara, sim,
está clara. É um julgamento que cumpre aquilo que o próprio TRF4 criou. É bom
lembrar que o tribunal, ao apreciar aquele vazamento de escutas telefônicas de
advogados, criou uma categoria chamada "direito excepcional". O que a
8ª turma fez foi aplicar esse tal direito excepcional da Lava Jato. Só que isso
se choca com a Constituição, esse é o problema.
CC:
Como o campo progressista e o PCdoB devem enxergar as consequências eleitorais
dessa decisão?
FD: Partidariamente, temos uma definição
pela pré-candidatura de Manuela D'Ávila, e eu sou vinculado a essa orientação.
Mas minha opinião de que Lula deve, sim, continuar sua candidatura. É uma
exigência democrática. Estamos diante de uma aplicação casuística do direito, o
conjunto da obra mostra isso. E isso leva à necessidade de uma atitude política
coerente e proporcional à dimensão desse casuísmo. A atitude mais recomendável
é ele manter mesmo a candidatura.
CC:
O senhor acha que o impasse sobre a candidatura de Lula vai ser um tema central
nas disputas estaduais?
FD: É, sem dúvida, um elemento poderoso.
Não só no Nordeste, mas todo o processo político do País entra em uma era de
brutal incerteza. O candidato líder na pesquisas está na contingência de não
poder disputar as eleições. Ninguém sabe se ele poderá concorrer até o final,
pois a definição disto só ocorrerá no fim de agosto. Logo, o processo político
vai ficar suspenso, haverá uma incerteza muito grande.
A sociedade vai ficar muito polarizada,
teremos um País muito fraturado. Isso já ocorre desde 2013, quando começou esse
processo de fratura, que se aprofundou com o julgamento de Lula. Há uma
clivagem muito aguda. Somente eleições acima de qualquer suspeita podem colar o
que está fraturado. A se confirmar o curso das coisas, teremos uma continuidade
desse quadro. É muito ruim para um país viver esse nível de ruptura das regras
do processo democrático.
Nenhum comentário :
Postar um comentário