A SITUAÇÃO COMEÇOU A MUDAR A PARTIR DE 2015, COM A IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA GESTÃO PENITENCIÁRIA).
FOLHA DE SÃO PAULO –
Depois de virar o centro das atenções por causa da violência, que chegou ao
auge em 2013, com os 64 mortos no presídio de Pedrinhas, o sistema
penitenciário do Maranhão adotou um modelo de gestão que trouxe um pouco de
tranquilidade. Voltado para a reestruturação, apostando no trabalho e na
educação dos presos, além da valorização do servidor público, o programa começa
a dar frutos.
“Posso falar com conhecimento de causa
que hoje a gente vive o melhor momento como gestores no sistema prisional do
Maranhão”, diz Alfranio Martins Feitosa, diretor-geral da
Unidade Prisional de Ressocialização do Anil, na capital São Luís.
Feitosa entrou no
serviço público como agente penitenciário em 2003. Viu de perto os graves
problemas e situações que não saem da memória. “Eu passei no sistema
prisional maranhense os piores momentos, de cabeças rolando, jogadas nos pés da
gente, rebeliões, fugas de 70, 80 presos.”
A
situação começou a mudar no sistema prisional do estado a partir de 2015, com a
implantação do programa Gespen (Gestão Penitenciária). É um instrumento de
gestão estratégica, que faz o acompanhamento de todos os estabelecimentos
prisionais do estado do Maranhão.
O
programa foi premiado na 10ª edição do Ranking de Competitividade dos Estados,
em 2021, na categoria Destaque Boas Práticas. As inscrições para prêmio deste
ano estão abertas no site da CLP (Centro de Liderança Pública), até o dia 24 de
abril.
“A gente consegue estabelecer um
retrato muito detalhado. O programa é fundamental para que todas as áreas aqui da
secretaria possam fazer o acompanhamento consolidado do que acontece em cada
unidade prisional”, explica Bruno Teixeira, gestor de
Modernização e Articulação Institucional da Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária do Maranhão.
Foi estabelecida
uma nota mensal para cada uma das unidades prisionais. Essa nota é composta
pela performance de cada um dos 42 indicadores que foram definidos pela Gespen.
“A partir do momento que faz esse
controle, essa criação de indicadores, e começa a monitorar mês a mês cada um
das unidades prisionais, isso dá um subsídio muito grande para identificar
problemas, enxergar potencialidades e dar reconhecimento às unidades
prisionais”, diz Teixeira.
Segundo
Feitosa, o programa funciona como uma cartilha para os gestores, que sabem o
norte que devem seguir e como serão avaliados por meio do Gespen. Mas, segundo
ele, a valorização do servidor público foi fundamental para que o programa
tivesse sucesso.
“Se fizer um paralelo com o professor
que não gosta de dar aula, não tem qualificação, ele vai ser um péssimo
professor. No sistema prisional é da mesma forma. Se não valorizar os
servidores que lá atuam, vão ser péssimos servidores, não vão entender os
objetivos da execução da pena. Com a valorização, isso muda”, destaca Feitosa.
“[Os servidores] Só eram lembrados na tragédia, hoje em dia não mais.”
Segundo
o levantamento de informações penitenciárias do Depen (Departamento
Penitenciário Nacional), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o
Brasil conta com 820.689 pessoas presas. Esse número coloca o país em terceiro
lugar no ranking de população carcerária, ficando atrás apenas de EUA
(2.068.800) e China (1.690.000), de acordo com dados do World Prison Brief,
levantamento internacional de dados prisionais.
Há no
Brasil mais presos do que vagas. O déficit hoje é de mais de 200 mil vagas,
segundo o governo. O Maranhão, apesar do novo modelo de gestão adotado, ainda
tem um déficit. Mas o cenário é bem diferente de 20 anos atrás. Hoje a taxa de
ocupação no sistema prisional do estado é de 103,7%. Em 2003, ela era de
389,2%.
“Nunca aconteceu de eu ter mais vagas
do que presos na unidade, e hoje já posso dizer isso. A capacidade no complexo
é de 208 internos e temos 197. Desde 2003 eu nunca tinha visto”, diz
Feitosa.
Para
Ana Karolina Carvalho, presidente da Comissão de Política Penitenciária da OAB,
o gargalo não é apenas no sistema prisional, mas sim a questão do Judiciário.
“Em todo o país temos mais de 800 mil presos e metade dessa população
carcerária é formada por presos provisórios. Isso dificulta muito,
principalmente na questão do cumprimento de pena.”
“Com as penas alternativas, a
tornozeleira eletrônica, ela [prisão] pode ser o último meio de cumprimento de
pena ou reprimenda, fazendo com que esse sistema possa desafogar e trabalhar
melhor, mais humanizado”, completa Ana Karolina.
Outro
ponto enfrentado no sistema prisional brasileiro é a atuação das facções dentro
dos presídios. No Maranhão, a solução encontrada foi dividir pesos por facções.
“Toda pessoa quando é presa, vai para
uma central de triagem. Dependendo da situação que ele admitir, é direcionado”,
explica Feitosa. “Além disso, agente fomenta a questão do preso não ser
faccionado com o trabalho. Em determinados trabalhos, o preso só é colocado se
não for faccionado.”
Segundo Ana Karolina,
essa divisão não é a ideal, mas acaba sendo uma forma de evitar maiores
problemas. “Pela lei de execuções penais, deveriam ser
separados por crimes. Quem comete crime hediondo com quem comete crime
hediondo, crime de natureza leve com crime de natureza leve. Mas foi uma forma
que o sistema prisional encontrou para não criar um problema maior.”
Carolina
Diniz, assessora do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da ONG
Conectas, entende que tudo que for possível montar para conferir uma maior
transparência no sistema prisional é um caminho válido. Porém, ela faz
ressalvas sobre o trabalho que está sendo feito no Maranhão.
“Os números que o estado do Maranhão apresenta não podem ser
atribuídos só a um sistema de gestão. São várias outras coisas que giram em
torno disso”, diz Carolina.
“O sistema prisional do Maranhão ainda segue lotado. O estado fez uma política
de construção de treliche nas unidades, que não dá parâmetro. São vagas
falsas.”
Bruno Teixeira, da Gespen,
diz que “a inauguração de unidades prisionais e a
reforma de outras, com a adequação com treliches, foi a solução encontrada a
fim de sanar o problema de ausência de camas nas celas, que gera conflito entre
os presos e fragiliza a segurança”.
A
Conectas representa beneficiários de uma ação da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, que acompanha a situação no complexo de Pedrinhas.
“Iniciativas como essas, de conferir
maior transparência, deveriam ser valorizadas, sim. Só não sei se esse programa
está dando esse tratamento, se as métricas estão olhando de fato para o serviço
que ele deve prestar”, diz a representante da Conectas.
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